terça-feira, 8 de maio de 2012
Antígona - Sófocles
Segue abaixo minhas anotações acerca de "Antígona", a tragédia grega de Sófocles.
Mesmo depois de dois mil e quinhentos anos, as questões apresentadas pela obra Antígona transcendem a temporalidade da época de sua criação e continuam sendo discutidas nos dias de hoje, pois seu conteúdo crítico implícito remete ao dilema paradoxal entre o direito natural, de cunho divino(OIKOS), metafísico, e o direito positivo, legislado, que é advindo do homem(PÓLIS). A tragédia grega abre espaço para uma vasta reflexão acerca daquilo que é moral, legal e justo, permitindo que o leitor se questione quanto a rivalidade existente entre justiça e lei, se realmente existe um direito de natureza divina que transcende a lógica do direito positivo e até que ponto o dever de um indivíduo para com a sua família se põe contra o seu dever para com o estado, deixando os elos da sociedade civil em oposição àqueles do estado político.
Dentre as tensões latentes presentes na sociedade grega, Sófocles problematiza, dramatiza e discute, em Antígona, temas como religião, política, moral, direito, diferenças entre gênero e perfis psicológicos, sendo estes os principais conflitos encontrados nesta exposição. Com relação ao gênero, Antígona e Creonte personificam, respectivamente, as ideias da irracionalidade, subjetividade e das ações carregadas de sentimentos movidos pelo emocional, versus as ideias de razão, falta de viveza e objetividade. Antígona é uma mulher de força que representa o notável papel da figura feminina, vai contra o estereótipo: desafia o rei e vai contra as leis estipuladas pelo poder, atraindo sobre si a cólera do irmão morto, enterrando-o a contra gosto do tirano, não agindo em nome da sua vontade pessoal, mas da suposta vontade geral dos cidadãos, da pátria; ao final, tem uma morte bela, que viverá sempre na lembrança, trazendo a gloria heróica, pois só assim, com o seu próprio sacrifício, restitui a paz a cidade de Tebas. Creonte representa o poder estabelecido, e todas as suas atitudes são meticulosamente pensadas e tomadas visando a manutenção deste poder; é um déspota, movido pelo autoritarismo e pela ganância. Ao final da obra, nota-se que ambos aprendem que é necessário ser comedido, agir com parcimonia, diligenciando um meio termo entre os extremos de atuações conflitantes.
Fruto do envolvimento amoroso e sexual com Jocasta, sua mãe biológica, e do assassinato de seu pai biológico Laio, a maldição rogada em Édipo Rei continua mesmo após a sua morte, recaindo sobre seus quatro filhos: Ismênia, Antígona, Polinices e Etéocles. Como as mulheres não tinham direito ao trono, Polinices e Etéocles o disputam para suceder o pai, disputa esta que acaba em morte de ambos: Polinices é expulso da cidade pelo irmão, depois de determinado tempo junta-se ao rei de Argos e ataca Tebas para tomar o poder de Etéocles. Até então rei, Eteócles defende a cidade com unhas e dentes, morrendo como o herói que defendeu sua pátria, ao contrario de Polinices, que foi considerado um traidor por ir contra o seu próprio povo. Após a morte dos dois herdeiros, Creonte, irmão de Jocasta e tio de Antígona, assume o poder com o intuito de restaurar o que sobrou de Tebas, e rapidamente começa a criar leis e regras na sociedade grega. Dentre as leis criadas, Creonte decreta que Polinices, por ter invadido sua cidade natal e ter se voltado contra os seus semelhantes, não devia ser sepultado, nem ser submetido aos rituais fúnebres, ficando exposto para que as aves carniceiras se encarregassem do seu corpo. Proclamou também que ficava expressamente proibido qualquer cidadão tebano enterrar o tal corpo, e aquele que ousasse transgredir sua determinação seria apenado com a morte. Em contrapartida, promoveu um funeral de honra para Etéocles, que lutou bravamente em defesa de Tebas e morreu como um herói para salvar seu povo.
Para entender o porque deste decreto, deve-se valer a ideia de que, segundo a tradição para os tebanos, somente por meio das honras fúnebres e do sepultamento é que se daria a transição adequada ao mundo dos mortos; para o povo grego, essa ligação com com o divino era fundamental, e a quebra destas tradições fúnebres implicaria na impossibilidade de diálogo com os Deuses. Então, como forma de punir Polinices, mesmo morto, e mostrar seu poder perante o povo tebano, Creonte cria esta lei que é fruto da sua autoridade, tirania, que pouco a pouco vai se transformando em loucura. É passível de comentário que, logo no começo da tragédia, Creonte deixa de lado os laços familiares e assume o posto do tirano, do detentor do poder, do Estado, ao punir Polinices, pois de qualquer forma eles eram unidos pelo sangue, sendo tio e sobrinho, e mesmo assim não impediu que tal castigo procedesse, uma vez que Creonte representa a lei dos homens, a lei que põe o poder acima da ideia de família.
Inconformada com o fato de seu irmão permanecer insepulto, Antígona recai sobre si mesma e planeja dar um destino mais digno a Polinices, que já havia pedido a irmã que, se caso morresse antes, queria que ela se encarregasse de todos os rituais fúnebres e de seu sepultamento. Decide então dividir sua trama com sua irmã, Ismênia, que mesmo desprezando as leis impostas por Creonte, o teme, e se diz incapaz de suportar a pena cominada ao descumprimento da mesma, preferindo não se envolver no crime e se colocando como cúmplice ao saber do esquema, mesmo não participando. Antígona então vê-se diante a um dilema: submeter-se à lei do soberano, injusta e desigual, ou sujeitar-se às iras impostas pela transgressão, dando finalmente a Polinices o que ele pedira: honras fúnebres e um sepultamento. Sozinha, decide lutar pelos seus direitos, pelos de seu irmão e da sua família, firmando-se na ideia de que as leis dos Deuses não estão escritas, logo, são eternas.
Quando descoberta, Antígona atrai a ira de Creonte para si. Revoltado com a displicência desta para suas leis e seu claro decreto que proibia o sepultamento do corpo de Polinices, Creonte, sendo tirano, imediatamente ordena que busquem Antígona e tragam até ele. Diante a acusação, Antígona assume que sepultou Polinices e questiona as atitudes do tio, que é inflexivel diante as reclamações expostas. Ao dizer que “nasceu para amar”, frase que exemplifica o ato exercido em prol do irmão morto e, até então insepulto, Antígona expressa toda a sua força e vontade em fazer justiça, de apoderar-se do divino para seguir sua vida da forma que julga adequada, sacrificando-se pelo irmão e vingando-o, mesmo sabendo que o seu fim era certo; Creonte a responde: “vá amar os mortos”, o que deixa claro o desdém do tio para com a sobrinha, mostrando sua indiferença com os sentimentos e laços afetivos e familiares, transparecendo que se preocupa apenas com as suas leis e as suas “justiças”, ou seja, com a morte de Antígona por ter desafiado o Estado. Ismênia, que não participou do sepultamento “ilegal” de Polinices, apenas guardou para si o ato que a irmã lhe confidencio, foi levada até Creonte com a suposição de que estaria envolvida no crime, mas depois foi liberada do castigo ficando apenas Antígona sobre os poderes de Creonte.
A figura de Hemon, filho de Creonte e primo de Antígona, é importante na medida em que ele é noivo da protagonista, entrando em cena para desafiar o próprio pai, e então Rei, pedindo para que este não execute sua amada. Hemon, quando percebe a falta de sabedoria do pai, partindo da ideia que espera-se de um rei a sabedoria para reinar, se revolta e expõe sua verdadeira intenção, que é seduzi-lo para o lado dele, o mesmo lado de Antígona, dizendo para seu pai que “aquele que tem ‘jogo de cintura’ é que consegue reinar”, pois mantém o equilíbrio entre a lei dos homens e a lei dos Deuses. A questão da idade e experiência entre Hemon e Creonte é interessante, pois mostra que esta relação entre pai e filho é invertida, uma vez que o filho, cidadão, diz ao pai, rei, o que deve ser feito, dá conselhos e o guia para o melhor caminho, e quando não há o cumprimento do que é dito, vem a bronca, a revolta, o desgosto. Mas, como todo bom tirano, Creonte não ouve o filho e prossegue com seu plano inicial: enterrar Antígona viva.
Em meio ao caos no qual se encontra Tebas, devido a lei estabelecida por Creonte, uma poluição e infertilidade impede que a sociedade “siga em frente”; falta ordem no relacionamento com as pessoas e com os Deuses. Acefalia do Estado. A ruptura do equilíbrio dá-se no momento em que Creonte, ao não se flexibilizar perante os interesses de Antígona, sente-se ameaçado e quer provar seu poder tirano: decreta pena de morte e a mantém em uma caverna até que esta morra. Eis que aparece um personagem fundamental para a trama: Tirésias, vidente/sacerdote masculino, que tem autoridade o suficiente para proferir suas advinhações e ser ouvido por Creonte. Tirésias descreve e mostra o que está acontecendo, o caos que assola Tebas, e diz para Creonte que a forma dele se manter no poder e não se prejudicar com a maldição, é voltando atrás na sua decisão, impedindo que Antígona morra e que mais tragédias aconteçam. Depois de achar que o Tirésias está tentando controlá-lo, manipulá-lo para o seu próprio interesse, Creonte se convence a anular a sentença de morte de Antígona, pois fica temeroso de que algo muito ruim aconteça, uma vez que Tirésias é um bom adivinho e sempre se cumprem suas profecias. Mas infelizmente o que foi não volta mais: Antígona morre, acabando com as últimas esperanças de Creonte em salvar-se das profecias.
Tem-se neste momento a caracterização da peripécia: quando ele se convence de que não se deve matar Antígona, tudo está acontecendo, ele tenta impedir mas não obtém sucesso: e tanto ela quanto seu filho, Hemon, morrem. Ao morrer, Antígona restitui a paz em Tebas, e unidos pelo sangue na vida e na morte, sendo primos e também amantes, ela e Hemon tornam-se um só corpo. A representação das núpcias em vida são substituidas pelo “corpo sobre corpo” na morte, uma vez que Hemon vai até sua amada e se mata, deixando o seu corpo cair sobre o dela. Deixa-se de enterrar os mortos para enterrar os vivos. Quando a notícia chega a Creonte, mais confusão se instaura em Tebas: ao descobrir que seu filho morreu, Eurídice fica desolada e se mata. Quando o mensageiro chega com a terrível notícia deste duplo suicídio familiar, mãe e filho, Creonte vê que tudo aquilo que o vidente Tirésias tinha dito para ele tinha se materializado.
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